HISTÓRIAS DA ILHA
Histórias de Miguel Batista Barros
Nascido na Ilha de São Vicente em 1956
Filho de Cantídio e Vicência Barros
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Pai dos meninos
Eu, meu irmão Raimundo e meu irmão Zé,
nós três nascemos lá na Ilha.
O meu irmão Raimundo caminhou com nove meses.
Minha mãe fala que eu passei uns três anos pra caminhar.
Eu caminhava, mas era escondido.
Andava atrás da casa quando estava só minha mãe mais meu pai e meus irmãos,
mas quando chegava uma pessoa de fora, eu caía no chão e saía me arrastando.
Parece que eu tinha medo.
Quando eu via gente, eu caía.
A minha mãe conta também que pra eu nascer, dei mais trabalho do que os outros.
Foram nove dias pra eu terminar de fazer meu processo de nascimento.
Foram nove dias a minha mãe sofrendo comigo.
Mas graças a Deus deu pra mim crescer.
O Raimundo, meu pai adotou mesmo como dele.
E eu era da minha mãe.
A minha mãe trabalhava,
lavava roupa,
quebrava coco,
e eu ficava com os meninos mais pequenos,
Éramos oito irmãos.
Está todo mundo vivo.
Quando ajunta a família meus irmãos dizem:
“ei, esse Miguel judiou demais da gente”.
Nós tínhamos uns cavalos,
e eu botava eles nos cavalos sem eles darem conta daquilo.
Um dia a minha irmã Graça disse:
“não, eu não sei, eu não dou conta de montar”.
E eu botei ela em cima do cavalo e bati no cavalo e ele correu,
e ela caiu, mordeu a língua, cortou a língua quase que ao meio.
Quando meu pai chegou da roça, teve que levar a menina pra Araguatins.
Naquele tempo era difícil.
Não tinha aquele negócio de médico finíssimo não.
Era tudo ponteado na máquina.
Dessa vez eu fiquei muito contrariado com a carreira desse cavalo.
O Raimundo era famoso, porque andava com meu pai,
e eu ficava em casa sofrendo,
fazendo comida pros outros meninos.
E eu falava:
“meu pai, hoje me leva pra roça e deixa o Raimundo aqui”.
E o Raimundo:
“não, eu não vou ficar com menino véio de jeito nenhum”.
E assim nós crescemos.
Toda vida eu digo que eu que sou o pai dos meninos,
porque fui eu que criei eles todos.
Só que menino caía na taca.
E nisso, crescemos todos.
Hoje estou morando na Ilha novamente,
e me sinto feliz.
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Cobrão
Naquela época tinha muito peixe.
Meu pai mais meu irmão Raimundo pescavam muito.
Um dia eles foram pescar na ilha de lama, ali perto do tio Salvador.
Quando estavam pescando, a água começou a ferver.
Aquela ferveção.
Aí eles olharam e viram um pedaço de uma cobra muito grossa,
com o meio parecendo um cotovelo, um joelhão.
Raimundo falou: “papai, o senhor tá vendo aquela cobrona?”
Aí ele disse: “tô meu filho, cala a boca”.
Cortaram a corda da poita da canoa e saíram remando devagarzinho,
e aquele cobrão saindo aquele pedação.
Mas eles não viram a cabeça da cobra.
Só viram aquele meio e um pedaço que saiu mais lá pro lado que estava a canoa.
Eles vieram embora e não viram o tamanho da cobra toda.
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Meu pai e o boto
Meu pai andava no meio do rio, tinha medo dos boto.
Parece que os boto perseguia ele.
Pra onde ele ia os boto ia seguindo a canoa toda a vida.
Aí um dia ele tava pescando com meu irmão, perto da praia, e disse:
“Meu filho, esses boto tão por aqui”.
Eles foram remar e o remo foi bem em cima do boto.
E o boto correu bem no rumo deles, quase de fora da água.
E o meu pai disse:
“essa canoa vai ficar é lá no meio da praia, nós não vamo agora não”.
E aí ficaram, ficaram, na areia, esperando o boto ir embora.
E o boto calado.
Quando eles entraram na canoa
o boto saiu de novo com eles.
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Receita de peixe
Pode ser o Tambaqui.
Pode ser a Caranha.
A gente trata ela.
Aí faz o tempero.
Coloca dentro dela.
Pitica ela primeiro com faca,
depois fura ela bem, pro tempero entrar.
Esse tempero pode ser tomate, cheiro verde.
Se tiver com tempo, pode cortar a batatinha fininha
e colocar ali dentro também.
Depois a gente coloca ela em cima da folha da banana,
embrulha ela com a folha da banana,
igual fazendo uma moqueca.
Muita folha de banana mesmo.
Aí passa aquela imbira da folha de banana em cima,
e pode colocar na churrasqueira, em cima da grelha,
e deixar por algum tempo,
que aquele peixe vai ficar muito gostoso.
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As frutas da Ilha
Tem o Cacau Brabo,
o “Cacau de Macaco”.
Tem o Tuturubá.
É uma fruta grandinha, amarela, de massa.
A gente come ela e fica pregando nos beiço da gente.
Mas ela é bem gostosa.
O gado gosta muito.
Quando o gado come ela, o leite fica bom pra coalhar.
O Abiu do mato.
O Marajazinho, que quando a gente era menino gostava muito.
É uma frutinha azeda.
Ela dá num coqueirinho de espinha.
Dá um cachinho pequenininho.
Quando tá verde é bem verdinha.
Quando amadurece é bem roxinha.
Todo menino gosta.
Tem a Muta.
É uma fruta vermelha.
Dá na beira do rio.
É uma fruta muito bonitinha e gostosa.
A gente pegava essa Muta, botava dentro duma bacia,
amassava ela, fazia igual um suco,
botava na garrafa.
Tem a Vinagreira.
Essa é aquela que se faz cuxá da folha dela.
Ela dá também a frutinha.
A gente faz o suco dela.
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Os bichos da Ilha
A coisa que mais tinha na Ilha era Tatu.
Mas o homem virou o predador do Tatu.
Hoje tem pouco, mas ainda tem.
Tem a Capivara, que atenta demais na roça.
Quando a gente planta o arroz, o milho, ela vem e come.
Mas é um dos animais que nunca acabou porque tem muita.
Elas vêm pelo rio.
Tem a Paca.
Tem o Mergulhão,
que mergulha na água, sai de novo e a pena dele não molha.
Tem o Macaco.
Tinha muito, hoje tem pouco.
Tem a Cotia.
Tem o Veado Mateiro,
o Veado Catingueiro.
É pouco, mas tem.
Até a Onça, que é difícil,
hora por outra a gente vê o rastro dela.
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Trabalhos da infância
As atividades que eu aprendi com o meu pai e com minha mãe
foram atividades pesadas.
Nós fazia canteiro na forquilha, alta, cheia de terra.
Todo dia cedinho a gente tinha que molhar aqueles canteiros.
De cebola branca, uma cebola branquinha que é medicinal.
Aí nós colhia bastante.
Nós tinha horta grande de tomate.
Nós fazia roça também.
Plantava arroz, feijão, milho, mandioca, abóbora,
gergelim, amendoim, batata doce, inhame, banana.
Tem o feijão andu, que é uma madeira,
o povo chama ele “feijão-pau”, nós plantava também.
Naquele tempo não tinha máquina de limpar arroz,
nós alimpava era socando.
A maior parte do que a gente plantava era pra consumo da família.
Naquele tempo, batata doce, por exemplo, não era boa pra vender que nem agora.
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Plantas medicinais
Na Ilha tem uma “pimenta de Guariba”.
É uma folha que quando a gente sente uma dor assim na junta,
a gente morna ela e passa ali em cima daquela dor, aí passa.
Tem a “negra Mina”.
É uma folha.
Ela cheira um cheirão forte.
Ela é bem medicinal.
Onde o carrapato pega no corpo da gente,
a gente pega aquela folha, esfrega nas pernas,
eles caem todos.
Tem uma outra planta,
chama “mata-matar”, chama “toari”.
A gente tira a casca dela, aí faz a cordinha,
toca fogo na ponta dela,
não vem nem uma muriçoca.
É natural, aquela fumacinha não faz mal pra nada.
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Construindo habitações
A gente vai no mato com um machado,
corta umas forquilha,
aí tira umas travessa,
tira os caibro.
Isso é tudo normal, tudo roliço.
Aqueles que querem mais chique, descascam.
A gente tira aquela madeira, cava, infinca.
Vamos pra palha do coco agora.
Aí corta uma taboca, coloca nos pé de coco,
derruba aquela palha,
vai riscar a palha todinha pra poder cobrir.
Vai no mato, tem o “cipó de escada”,
que é o cipó que a gente amarrra a palha.
Hoje o “cipó de escada” já tá difícil.
As minhas casa, hoje, eu amarro com esse macarrão de cadeira.
Passa até oito anos e o macarrão não quebra.
A gente tira bastante pau, não precisa ser forte,
coloca que nem uns enchimentos nas paredes.
Depois amassa o barro.
Junta aquele rol de gente, faz o barreiro, joga água dentro e pisa.
Aí uns vai carregando, outros vai enchendo
aquelas paredes, até quando enche tudinho.
Aí um lado deixa bem feitinho, com uns talos,
o outro, deixa mal feito.
Quando seca, tira aqueles talos de fora,
aí termina de rebocar com o barro amassado.
Pode até tirar aqueles pauzinho que tem dentro,
o barro já tá seguro.
Conforme a quantidade de gente no mutirão,
demora uns cinco dias pra casa ficar pronta.
Agora, se é só uma pessoa demora mais.